terça-feira, 30 de junho de 2009
Eclesiastes 11, 28.
Eclesiastes 7.16
domingo, 28 de junho de 2009
Fosse-me a carne opaca pensamento - William Shakespeare
a vil distância não me deteria
e de remotos longes num momento
até onde te encontras eu viria.
Nem importava que tivesse os pés
no ponto que é de ti mais afastado:
o pensamento vai de lés a lés
mal pensa no lugar a que é chamado.
Mas mata-me pensar que em mim não pensas
para saltar as milhas quando vás;
feito de terra e água em partes densas,
espero um ânsias o que o tempo traz.
Nem lentos elementos trazem mais
do que choros, da nossa dor sinais.
sábado, 27 de junho de 2009
Eco - Dante Milano
Ligado por meu respiro,
Sinto a parte do vazio.
Eu existo como um eco
E me perco além de mim.
Participo do longíquo
Onde o olhar chega a sumir...
Não sei que gesto possante
Me arremessou de repente
Para esta praia distante
Onde me sinto perdido,
Cercado por um rumor
Que me penetra no ouvido,
Como um rumor interior.
Rugido de caramujo
Na diminuta amplidão.
Divagação - Dante Milano de novo
Penso, para esquecer... Apenas vivo
Aquilo que me passa pela mente
E se vai desdobrando interiormente
Em forma de soneto pensativo.
Invento - não existe - algum motivo.
Como quem escrevendo à amada ausente
Imagina maior o amor que sente,
- Oh, tudo o que hpa no amor de descritivo
-Como o que ama de longe, assim pareço.
E ao me lembrar de tudo quanto esqueço,
(O vôo é uma existência à-toa?)
Escrevo a minha vida que se esfuma
Na distância...- Ah, bem sei que habito numa
Bola que rola e piso um chão que voa...
Canção inútil - Dante Milano, pela milésima vez
Aquela que não é vivida,
A que é perdida, sonhada,
A realidade irrealizada,
A que eu procuro e não encontro,
Houve por certo um desencontro,
Nenhum problema filosófico,
Trata-se de uma catastrofe.
Salva-se o corpo, é verdade,
Vive-se mas com humildade,
Em cima o montão de entulho,
E embaixo, humilhado, o orgulho.
Reveste-se de um falso tédio
Que adia o inútil suicídio.
Soneto VI - Dante Milano
Não sei de que cansaços me proveio
O peso que carrego sobre os ombros.
Sou como quem depois de um bombardeio,
Se levanta no meio dos escombros.
E sente a dor das pedras rebentadas,
Mais alta que o grito das criaturas
A dor do chão, dos muros, das calçadas,
De onde o pranto não brota, dores duras.
O único alívio é olhar o céu sem fundo,
O véu de sonho que recobre o mundo,
E absorve, esbate, anula realidade
Sob a expansão do azul intenso e forte.
Dor sem fim, olhar calmo além da morte,
Não desespero, sim perplexidade!
Leituras críticas sobre Dante Milano
"Em 1948, depois do surgimento da 'Geração de 45', o ambiente era favorável à aceitação da poesia comedida, intemporal, ontológica de Dante Milano, e por isso mesmo o livro encontrou repercussão crítica e acolhimento entre todas as gerações modernistas, das mais velhas às mais novas. Não demonstrando influências em seus versos, a não ser eventual comunidade de pensamento ou situação com Manuel Bandeira; revelando por vezes senso plástico, como escultor que é; autor de poesia tecnicamente bem acabada e como que apta a resistir às investidas do tempo; sensual, de um sensualismo cinza e até meio cubista, às vezes; pessimista ou desencantado, Dante Milano, apesar da estréia tardia, é um dos poetas representativos de sua geração."
Ramos, Péricles Eugênio da Silva [1967]. Dante Milano. In: ___. Poesia moderna: antologia. p.374.
"Trata-se essencialmente de um poeta antilírico. A palavra lirismo é equívoca e exige uma conceituação pessoal. André Gide afirmava que sem religião não poderia haver lirismo. Preferia eu dizer que sem o jogo-do-faz-de-conta, sem o sentimento ilusório de que a vida tem um sentido, não pode haver lirismo. Dante Milano é o poeta antipoético, o poeta do desespero. Também este, o desespero, pode ser lírico, mas não o desespero seco, sem lágrimas como um soluço. Em todos os poemas deste livro, encontramos o mesmo timbre árido: em vez de sonho, o pesadelo; em vez da fantasia, a angústia; em vez de amor, um arremedo de posse bruta. O próprio poeta se espantou há muitos anos, quando lhe disse, com admiração, que a sua poesia me parecia sinistra. Releio agora os poemas, procuro cuidadosamente uma fresta lírica, um respiradouro, e chego à antiga conclusão: esta poesia é sinistra, nua, desértica."
Campos, Paulo Mendes [29 jan. 1972]. O antilirismo de um grande poeta brasileiro. In: Milano, Dante. Poesia e prosa. p.345-346.
"(...) como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos - lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido. Uma forma de calada música, que imita, roçando o silêncio, o pensamento. Sua frase límpida e por vezes de sabor clássico, imune a cacoetes modernistas, se presta, porém, a um verso moderno, desinflado, apto para armar equações estranhas com a visão irônica de quem repensa o mundo ou os mundos (a vigília e o sonho; o passado e o presente; o inconsciente e a consciência), partindo da condição do exílio e de um senso lúcido e desencantado da desarmonia de tudo. Visão que o leva a imagens recorrentes de perplexidade de um ser desmemoriado, perdido de si mesmo, errante nas distâncias desproporcionadas de uma terra de ninguém."
Arrigucci Jr., Davi [1991]. Dante Milano: a extinta música. Folha de S. Paulo, p.6, caderno 6.
Corpo - Dante Milano
Adorei teu corpo,
Tombei de joelhos.
Escostei a fronte,
O rosto, em teu ventre.
Senti o gosto acre
De santidade
Do corpo nu.
Absorvi a existência,
Vi todas as coisas numa coisa só,
Compreendi tudo desde o princípio do Mundo.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Cantiga
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d'alva
Rainha do mar.
Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.
Manuel Bandeira
Antologia
A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida
Os corpos se entendem mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Vou-me embora pra Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz.
Quero esquecer tudo: – A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.
Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente. (Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.)
Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Cada coisa em seu lugar.
Manuel Bandeira
Belo belo I
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
Manuel Bandeira
Poema só para Jaime Ovalle
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
-Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
Manuel Bandeira
Gesso
— O gesso muito branco, as linhas muito puras —
Mal sugeria imagem de vida
(embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de pátina amarelo-suja.
Os meus olhos de tanto a olharem,
Impregnaram-na da minha humanidade irônica de tísico.
Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos, recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo mordente de pátina...
Hoje esse gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.
Manuel Bandeira
Imitação da água
paisagem já tão marinha,
a uma onda deitada,
na praia, te parecias.
Uma onda que parava
ou melhor: que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.
Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.
Uma onda que parara
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto de sua crista
e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa),
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.
Uma onda que guardasse
na praia cama, infinita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,
e em sua imobilidade,
que precária se adivinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas
mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.
João Cabral de Melo Neto
terça-feira, 23 de junho de 2009
Transforma-se o amador na coisa amada
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
O vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
Luís Vaz de Camões
Babel
Palavras - ex-pressão
Palavras - com - unic-ação
Palavras - form-ulação
Palavras - construção
de-sta-biliz-aç-ão
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Mestre, são plácidas (ode 310)
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos.
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...
A beira-rio,
A beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o Sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
12-6-1914
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa.
Ode 317
Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exactos
Basta para podermos
Achar a vida leve.
De todo o esforço seguremos quedas
As mãos. brincando, pra que nos não tome
Do pulso, e nos arraste.
E vivamos assim.
Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
Translúcidos como água
Em taças detalhadas,
Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
E as rápidas caricias
Dos instantes volúveis.
Pouco tão pouco pesarei nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
Escolhermos do que fomos
O melhor pra lembrar
Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
E cada vez mais sombras,
Ao encontro fatal
Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio,
E o regaço insaciável
Da pátria de Plutão.
Ao longe os montes têm neve ao sol
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.
Ricardo Reis / Fernando Pessoa
Não se mate
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserves-e todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas, santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, 16 de junho de 2009
Pedro Páramo
"...Havia uma lua grande no meio do mundo. Os meus olhos perdiam-se, a olhar para ti. Os raios da lua filtravam-se sobre a tua cara. Não me cansava de ver essa aparição que tu eras. Suave, esfregada pela lua; a tua boca macia, húmida, irisada de estrelas; o teu corpo cada vez mais transparente na água da noite. Susana, Susana San Juan."
Juan Rulfo
Solilóquio de Segismundo
Sueña el rico en su riqueza,
que más cuidados le ofrece;
sueña el pobre que padece
su miseria y su pobreza;
sueña el que a medrar empieza,
sueña el que afana y pretende,
sueña el que agravia y ofende,
y en el mundo, en conclusión,
todos sueñan lo que son,
aunque ninguno lo entiende.
Yo sueño que estoy aquí
destas prisiones cargado,
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño:
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.
Peça "La vida es sueño", de Pedro Calderón de la Barca
domingo, 14 de junho de 2009
Réplica
Todo meu poder de réplica, toda minha força de erguer a voz, aquela mesma força que já fez aproximar-me de ti, tudo isso, que se envolve nas lembranças e se despe na saudade, meio que cai, diante do teu mirar. Não há como eu ter menos vontade de recomeçar tudo, de fronte teus olhos, dos mesmos olhos que em vão quis que me olhassem durante tanto tempo, e pelo visto, ainda não foram envolvidos pela minha presença, e que parecem se safar da dúvida, na minha ausência. Sigo o calafrio que me assola até os degraus que me levam para baixo, para mais baixo na minha estima, alcançando o que me foi sempre caro: teu toque, teu tato, teu laço, fere e encanta, ensina e estanca, tudo que posso querer a mais, do que não sei se ainda tenho contigo. Todos os candelabros da memória estão acesos, teu gosto permanece na boca e nas virilhas, meu primeiro caminhar na chuva sem teu perfume junto ao meu ainda ecoa, como ecoa pra ti a suave porta resvalando no amadeirado batente, deixando com um estalo o final de um ciclo, escancaradamente aberto o estalo no resvalar da porta.
Cavei, e bem fundo cavei no limiar instintivo do bem querer, tudo que forjei de novo na alma ao te defender perante mim mesmo, perante a consciência que tinha que dois febris corações e corpos, se ajustam no gozo, se reciclam no abraço, se confundem na saliva, mas poderiam no episódio final da porta resvalada, ferir-se mutuamente. E cavando, como quem procura saída no subsolo denso e claustrofóbico, encontro- a, a ferida: que musical como tua dança, ou tua ilusão de dança, ainda aberta arde facilmente, talvez por não haver antibiótico suficientemente competente para calar o respirar dela; talvez, por não haver motivo melhor para saná-la, e por enquanto, ela a ferida, treme, pulsa, expulsa convulsamente prática... as chances, as melhores chances, que através da porta, fecham-se tortas. Pudera então dançando embriagado ou atônito hipnotizado, convulso ferido ou soturno estilizado, manifestar um mero e pobre conjunto de atitudes, necessárias que seriam a fazer dos dois indivíduos um par, erráticos que fossem; par que não são, par dos "ais" do suor cotidiano do ato selvagem que não mais são, que sequer puderam supor e endoidecer, e devanear, que foram.Sangro no silêncio incômodo e sutil. Não toco teu semblante com os dedos poeticamente envenenados de vontades alucinógenas. Não páro teu movimento de quadril e mãos e gestos e pele que adoro e sorriso que enlouquece e ombros nus que aquecem meu fervilhar por dentro. Não faço nada disso, pois, se o fizer, debruçarei nos teus pés, caros pecados, e derramarei frases banhadas nos continentes do sentir. Perderei minh’alma, que é poema, na música que és. Transtornado, degustarei cada milímetro de ti, e, em cada nota de um gemido teu desvencilhar-me-ei mais ainda de mim. Improvisarei novos beijos e amarrarei teu corpo ao meu; fundamentarei; engendrarei novo ciclo; mostrarei o cântico dos sexos. Fazendo isso, essas muitas volúpias, concentrarei tudo que sou em tudo que és pra mim, abrirei um mar intenso na alma e baixarei as pontes levadiças da fortaleza do receio, entregando-me. Sutil poema cúmplice da música voraz. Resvala a porta nos anseios, difícil hesitar tanto, quase a segurei quando fechou-se rítmica, suave.
Eliéser Baco
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Sol forte
Salmo perdido
Um deus sem piedade,
Um deus moderno, deus de guerra e não de paz.
Deus dos que matam, não dos que morrem,
Dos vitoriosos, não dos vencidos.
Deus da glória profana e dos falsos profetas.
O mundo não é mais a paisagem antiga,
A paisagem sagrada.
Cidades vertiginosas, edifícios a pique,T
orres, pontes, mastros, luzes, fios, apitos, sinais.
Sonhamos tanto que o mundo não nos reconhece mais,
As aves, os montes, as nuvens não nos reconhecem mais,
Deus não nos reconhece mais.
Dante Milano
Eu
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
Verde Embeleso De La Vida Humana
Verde embeleso de la vida humana,
loca Esperanza, frenesí dorado,
sueños de los despiertos intrincado,
como de sueños, de tesoros vana;
alma del mundo, senectud lozana,
decrépito verdor imaginado;
el hoy de los dichosos esperado
y de los desdichados el mañana:
sigan tu sombra en busca de tu día
los que con verdes vidrios por anteojos,
todo lo ven pintado a su deseo;
que yo, más cuerda en la fortuna mía,
tengo entrambas manos ambos ojos
y solamente lo que toco veo.
Sor Juana Ines de la Cruz
O rio
silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
como o rio as nuvens são água, r
efleti-las também sem mágoa,
nas profundidades tranqüilas.
Manuel Bandeira
O homem e a sua paisagem
Vejo o tempo parado, inutilmente.
Tudo é menos real do que suponho.
Interrompi teu sonho, natureza.
Diante de um ser humano, de repente
Apareces tomada de surpresa.
No espaço que me cerca estou suspenso.
Em redor um olhar pasmado e mudo
E no ar a ameaça do silêncio denso.
Em todo sonho existe um extasiado
Olhar adormecido que vê tudo…
Senhor, eu sou o objeto contemplado
Dante Milano
Céu e sono
E eu sinta o vago espanto de quem nasce,
E a claridade me deslumbre a face,
A muda face a sonhos habituada,
Deixo-me estar, sombra desacordada,
Embora um torvo espírito me abrace
E por dentro de mim, noturno, passe
O sono, a obscura percepção do nada
Que tento decifrar com o olhar fito
Na negra página em que nada é escrito.
Divago, e os meus sentidos ultrapasso.
Se não houvesse o céu, não haveria
Sonho, nem sono sem a terra fria.
Tenho vontade de dormir no espaço...
Dante Milano
Viciei nesse poeta! Fazia tempo q isso não acontecia!
PRINCÍPIO DA NOITE
Eu ia em mim perdido, em mim pensando.
A existência deserta.
A rua escura.
Eu sentia a tristeza dos felizes
Vendo a estrela da tarde rir sozinha...
Em que altura ela estava!
O resto era imenso.
Tudo é exílio.
Dante Milano