sexta-feira, 19 de junho de 2009

Mestre, são plácidas (ode 310)

Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos.
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.


Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,


Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...


A beira-rio,
A beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.


O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.


Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.


Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.


Girassóis sempre
Fitando o Sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.


12-6-1914
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa.

2 comentários:

  1. E da mesma poça que pisam todos, voltaremos todos, a sete palmos ou trancafiados pra sempre em pó na estante do filho que mais nos ama. Singela comparação de ter vivido como a percorrer os caminhos de flores em jarros e suas pétalas. Perde uma pétala a cada dia a flor da vida, que o caule seja forte e aguente tanta patifaria, dos esquecidos o que é ser, apenas por um instante, humano!

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  2. Quem dera a nítida presença ainda em vida, da certeza da missão cumprida. Quem dera a flor da paz fosse esculpida no sorriso tal qual o sonho angelical da última despedida. Estalos dos ossos na dúvida presente, como a dor do melhor poeta que na doída convulsão pressente, o mar agitado da pós vida o clamar para o reluzente abraço; e negando a rima, como o autor despreparado, nega a maior verdade de um dia, o último suspiro, aos ventos derramado.

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