domingo, 14 de junho de 2009

Réplica

Vejam o primor de um texto que, aom mostrar a busca do outro, acaba por revelar a busca a si mesmo.

Todo meu poder de réplica, toda minha força de erguer a voz, aquela mesma força que já fez aproximar-me de ti, tudo isso, que se envolve nas lembranças e se despe na saudade, meio que cai, diante do teu mirar. Não há como eu ter menos vontade de recomeçar tudo, de fronte teus olhos, dos mesmos olhos que em vão quis que me olhassem durante tanto tempo, e pelo visto, ainda não foram envolvidos pela minha presença, e que parecem se safar da dúvida, na minha ausência. Sigo o calafrio que me assola até os degraus que me levam para baixo, para mais baixo na minha estima, alcançando o que me foi sempre caro: teu toque, teu tato, teu laço, fere e encanta, ensina e estanca, tudo que posso querer a mais, do que não sei se ainda tenho contigo. Todos os candelabros da memória estão acesos, teu gosto permanece na boca e nas virilhas, meu primeiro caminhar na chuva sem teu perfume junto ao meu ainda ecoa, como ecoa pra ti a suave porta resvalando no amadeirado batente, deixando com um estalo o final de um ciclo, escancaradamente aberto o estalo no resvalar da porta.
Cavei, e bem fundo cavei no limiar instintivo do bem querer, tudo que forjei de novo na alma ao te defender perante mim mesmo, perante a consciência que tinha que dois febris corações e corpos, se ajustam no gozo, se reciclam no abraço, se confundem na saliva, mas poderiam no episódio final da porta resvalada, ferir-se mutuamente. E cavando, como quem procura saída no subsolo denso e claustrofóbico, encontro- a, a ferida: que musical como tua dança, ou tua ilusão de dança, ainda aberta arde facilmente, talvez por não haver antibiótico suficientemente competente para calar o respirar dela; talvez, por não haver motivo melhor para saná-la, e por enquanto, ela a ferida, treme, pulsa, expulsa convulsamente prática... as chances, as melhores chances, que através da porta, fecham-se tortas. Pudera então dançando embriagado ou atônito hipnotizado, convulso ferido ou soturno estilizado, manifestar um mero e pobre conjunto de atitudes, necessárias que seriam a fazer dos dois indivíduos um par, erráticos que fossem; par que não são, par dos "ais" do suor cotidiano do ato selvagem que não mais são, que sequer puderam supor e endoidecer, e devanear, que foram.Sangro no silêncio incômodo e sutil. Não toco teu semblante com os dedos poeticamente envenenados de vontades alucinógenas. Não páro teu movimento de quadril e mãos e gestos e pele que adoro e sorriso que enlouquece e ombros nus que aquecem meu fervilhar por dentro. Não faço nada disso, pois, se o fizer, debruçarei nos teus pés, caros pecados, e derramarei frases banhadas nos continentes do sentir. Perderei minh’alma, que é poema, na música que és. Transtornado, degustarei cada milímetro de ti, e, em cada nota de um gemido teu desvencilhar-me-ei mais ainda de mim. Improvisarei novos beijos e amarrarei teu corpo ao meu; fundamentarei; engendrarei novo ciclo; mostrarei o cântico dos sexos. Fazendo isso, essas muitas volúpias, concentrarei tudo que sou em tudo que és pra mim, abrirei um mar intenso na alma e baixarei as pontes levadiças da fortaleza do receio, entregando-me. Sutil poema cúmplice da música voraz. Resvala a porta nos anseios, difícil hesitar tanto, quase a segurei quando fechou-se rítmica, suave.

Eliéser Baco

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